Passado 1 ano desde que os Estados Unidos reabriram as suas fronteiras, os brasileiros continuam enfrentando longas filas para tirar o visto americano de turismo e negócios pela primeira vez.
Em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, o tempo de espera para conseguir a entrevista ultrapassa 400 dias. Em Recife e Porto Alegre, são mais de 300.
Na tentativa de agilizar o processo, tem brasileiro topando viajar para outro estado quando surge uma vaga em um consulado distante do seu local de moradia, e até mesmo quem encare gastar mais, contratando um despachante (leia os relatos abaixo).
A situação não atinge só o Brasil. Em Nova Delhi (Índia), por exemplo, a fila de espera é de 961 dias; em Bogotá (Colômbia), de 799 dias; na Cidade do México, de 675 dias e, em Toronto, (Canadá), de 448 dias.
Até o dia 30 de novembro, o tempo de espera para fazer a entrevista na embaixada e consulados brasileiros estava assim:
- São Paulo: 484 dias;
- Brasília: 427 dias;
- Rio de Janeiro: 428 dias;
- Recife: 365 dias;
- Porto Alegre: 289 dias.
A longa espera só atinge as pessoas que estão tirando o visto de turismo e negócios, modalidade classificada como B1/B2.
“Quem está renovando o visto pode ser dispensado da entrevista com o oficial consular”, explicou a assessoria de imprensa da consultoria jurídica para assuntos de imigração AG Immigration Group.
Outras modalidades também estão com o tempo de espera normalizado. Estudantes de intercâmbio que vão tirar o visto pela primeira vez, por exemplo, só precisam aguardar de 2 a 10 dias para o dia da entrevista, a depender do consulado.
Espera para reencontrar familiares
A engenheira civil Taliana Regia Castro Serejo Silva, que mora no Rio de Janeiro, está na saga do visto pela primeira vez e só conseguiu marcar a entrevista para novembro de 2023.
Ela planeja viajar para os EUA e México para visitar familiares, mas o reencontro parece cada vez mais distante.
“É mais de um ano na fila e sem nenhuma certeza, pois posso passar todo esse tempo e ainda receber a negação deles”, desabafa.
“Estou planejando a viagem para Flórida, pois minha prima vive lá e vou aproveitar para descer para o México, até porque o país já está exigindo o visto. Mas quem tem visto americano não precisa tirar o visto mexicano”, diz Taliana.
Natal cancelado
A brasileira Mayara Parise, de 27 anos, também passou pela expectativa de um reencontro familiar. Ela, que vive em Nova York desde 2021, planejou a viagem de seu pai, que está no Brasil, para passar o Dia de Ação de Graças e o Natal nos EUA.
Parise iniciou o processo de visto dele em março de 2022, mas a data da entrevista estava agendada para mais de um ano.
“Todos os dias, eu entrava e atualizava a página de agenda de todos os consulados do Brasil. Eu consegui uma vaga para agosto, mas em Brasília. Só que meu pai mora em Campinas (SP). Mesmo assim, eu fiz o agendamento, ele pegou um ônibus e, enfim, conseguiu”.
“Eu também queria muito trazê-lo para cá, porque seu melhor amigo mora aqui nos EUA e eles não se viam há 20 anos”, conta. Mesmo que em cima da hora, o pai dela conseguiu viajar, mas passou apenas o feriado de Ação de Graças.
Gasto extra para garantir viagem de trabalho
Isabele Kazahaya e Gustavo Yoshio Watanabe Silva, pais do pequeno Heitor, já têm o visto americano e estão desde agosto tentando encontrar uma data para apresentar a documentação consular do filho para poder viajar.
“Estou amamentando ainda e não quero interromper a amamentação. Pretendo levar meu filho junto para a convenção da empresa que vou participar em janeiro”, conta Isabele.
Por não conseguir disponibilidade no consulado de São Paulo, ela resolveu ir até Brasília para fazer os procedimentos. “Decidi ir para lá porque tinha vaga. Isso vai atrapalhar nossa rotina, porque vou ter que dedicar um dia do meu trabalho para ir até Brasília e ter um gasto extra por essa demora”, diz.
Viagem de negócios com data marcada
Assim como o pai da Mayara, o paulista Marcello Pagano Silva vai ter que viajar para outro estado para conseguir tirar o visto pela primeira vez.
Ele tem uma conferência de negócios em Seattle em setembro de 2023, mas só encontrou data no consulado de São Paulo para três meses depois da viagem.
“Fiquei entrando no site várias vezes e achei uma vaga sobrando para Porto Alegre (RS) para agosto de 2023 e é essa que eu estou esperando agora”, comenta.
Chegar a tempo para o casamento
Em São Paulo, a artista visual e influencer Helen Fernandes de Sousa (Malfeitona), de 31 anos, também está na fila para tirar o primeiro visto, no consulado da cidade de São Paulo. Ela planeja viajar para Chicago em agosto de 2023 para acompanhar o casamento de uma amiga.
Helen conseguiu agendar a entrevista apenas dezembro de 2023, ou seja, depois do casamento. Para não perder a cerimônia, ela optou por pagar um serviço de despachante, que conseguiu adiantar o agendamento para fevereiro. Ao todo, ela já gastou R$ 1.300.
“Eu sou autônoma e não tenho um imóvel próprio no Brasil. Então, eu já entro numa zona de risco. Eles podem simplesmente negar depois de todo esse investimento”, desabafa.
Segundo ela, o despachante presta uma espécie de assessoria. Ele a preparou para as perguntas, checou se todos os documentos estão em ordem e monitora o site do consulado para tentar adiantar a data da entrevista.
Além da taxa de US$ 160 (cerca de R$ 900) do consulado, a influenciadora teve que desembolsar mais R$ 350 para ter a assessoria por fora.
‘Eu já tinha desistido da viagem’
O jornalista Rodolfo Quaranta, que mora em Sorocaba (SP), pretende aproveitar as férias em maio nos Estados Unidos. Desde agosto, está tentando renovar o visto. Ele já viajou outras cinco vezes para os EUA e quando tirou o primeiro visto não enfrentou essa fila.
“Essa foi a primeira vez que tive problema com o visto. Tirei em 2012 e venceu no meio desse ano. Espero que a agenda permaneça na data estabelecida e que não aconteça de adiarem”.
Assim como Helen Fernandes, Rodolfo preferiu contratar um despachante e desembolsou R$ 250 pelo serviço. “Já tinha até desistido da viagem porque não daria tempo de obter o visto. Antes, estava previsto para maio de 2023 e o despachante conseguiu antecipar para fevereiro”, conta.
Papel do despachante
Todo o processo de solicitação do visto americano, seja pela primeira vez ou para renovar, pode ser feito pelo próprio viajante, pagando apenas a taxa do visto, que varia conforme o tipo. Para turismo, atualmente são cobrados US$ 160 (o equivalente a cerca de R$ 830 na cotação da última terça, 30).
Mas algumas pessoas optam por contratar prestadores de serviço que dedicam tempo para tentar antecipar a entrevista no consulado. Segundo a AG Immigration, o que o despachante faz é ficar atualizando a página de agendamento para conseguir uma oportunidade de uma data mais próxima.
“Isso realmente acontece, pois sempre tem alguém que precisou cancelar ou adiar o agendamento que tinha ou até mesmo o próprio consulado amplia os esforços de atendimento para um determinado período”, diz.
“Mas é aleatório. Não existe uma frequência específica com que isso acontece. Em outras palavras, é sorte”, acrescenta a agência.
O que diz a embaixada dos EUA
A embaixada dos EUA no Brasil disse ao g1 que está “trabalhando diligentemente para aumentar a disponibilidade de vagas para todas as classes de vistos”.
“O tempo de espera para os agendamentos varia constantemente, pois depende da demanda e da capacidade de atendimento de cada posto, do tipo de visto solicitado e da disponibilidade de horários de agendamento que são criados regularmente”, afirmou.
O órgão explicou que, desde que os serviços foram retomados, em novembro de 2021, novos horários de agendamento para entrevistas têm sido disponibilizados no sistema on-line.
“As pessoas que já fizeram seus agendamentos podem continuar a acessar o sistema on-line regularmente para tentar reagendar suas entrevistas para datas mais próximas, sem nenhum tipo de cobrança extra”, acrescentou a embaixada.
Por que existe essa fila?
O principal motivo foi a paralisação dos serviços durante o período da pandemia de Covid-19, que fez os países fecharem as suas fronteiras a partir de março de 2020 e interromperem os serviços de emissão de vistos.
Para a consultoria AG Immigration Group, outro fator pode ter ajudado. Em 2010, o visto de turismo americano passou a ter validade de 10 anos. Isso significa que muitos deles venceram em 2020, 2021 e 2022 – justamente em um período em que os consulados e embaixadas passaram vários meses fechados ou com atendimento restrito.
Prejuízo de US$ 12 bi
A US Travel Association, que representa mais de mil organizações de toda a cadeia de turismo dos Estados Unidos, reclama que esse prazo longo pode ser encarado como um bloqueio aos viajantes e estima que, só em 2023, eles deixem de gastar US$ 12 bilhões no país.
Essa conta considera o potencial de turistas dos três países que mais requisitam o visto: além do Brasil, a Índia e o México.
A US Travel diz que, com a demora, 7 milhões de turistas deverão deixar de viajar para os EUA no ano que vem e que é urgente que os prazos sejam reduzidos.
A associação propõe que o governo Biden limite o prazo a 21 dias para Brasil, Índia e México até abril do ano que vem. E que, a partir de setembro, processe 80% dos pedidos de vistos dentro desse mesmo prazo.
Fonte: G1
Foto: Canva